por Maurício Thuswohl, Carta Maior.
Rio de Janeiro – O ano mal começou, mas a incerteza global em relação a temas sensíveis como as mudanças climáticas, a proteção das florestas e da biodiversidade e a adoção de instrumentos econômicos para o desenvolvimento sustentável do planeta e da humanidade, entre outros, já faz com que 2012 seja considerado decisivo para a definição dos rumos da política ambiental internacional.
Apesar de a mais recente conferência da ONU sobre mudanças climáticas (COP-17), realizada no fim do ano passado na África do Sul, ter alinhavado um acordo que, a partir de 2015, finalmente vincularia todos os países a metas obrigatórias de redução de suas emissões de gases-estufa, todos os atores envolvidos nas negociações sabem que, da teoria à prática, muito precisará ser feito já a partir deste ano.
O ponto alto do calendário ambiental internacional em 2012 será a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, evento que acontecerá em junho no Brasil. A organização da conferência e de seus eventos paralelos já mobiliza o governo brasileiro, a ONU e as entidades do movimento socioambientalista em todo o mundo.
No dia 10 de janeiro, foi divulgado o documento que resume as 672 propostas para a Rio+20, oriundas de diversos países, e traça dez metas para o desenvolvimento sustentável do planeta a serem discutidas no Rio de Janeiro: consumo responsável, produção ecoeficiente, proteção dos oceanos , segurança alimentar, agricultura sustentável, energia limpa para todos, acesso à água, cidades sustentáveis, prevenção a desastres naturais e economia verde e inclusão social.
Entre as organizações ambientalistas brasileiras, não são muito elevadas as expectativas em relação à Rio+20. As críticas vão desde o leque excessivamente aberto de temas a serem discutidos na conferência até o fato de também o Brasil atravessar um momento de indefinição no que se refere a sua política ambiental. Presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), rede que reúne 600 organizações da região, Rubens Gomes aponta um problema que, afirma, a Rio+20 terá de enfrentar: “Existe hoje uma crise econômica mundial instalada, afetando principalmente os países do G7 e comprometendo a política ambiental internacional. Não adianta pensarmos em apoio e financiamento internacionais se não fizermos nossa lição de casa”, diz.
Gomes também afirma que o Brasil, na condição de anfitrião do evento, não se encontra em um momento favorável de sua política ambiental: “Muito me preocupa o fracasso do Fundo Amazônia, por exemplo. Não sei ao certo quais as reais conseqüências da péssima administração dos R$ 830 milhões que o BNDES arrecadou junto às instituições norueguesas e que, no final das contas, acabou investindo somente 9% desse montante.
Certamente, isso gerará um desconforto imenso entre os países e mancha o Brasil para o mundo no sentido da administração dos seus recursos. Tudo isso acontece por conta do desinteresse e excesso de burocracia do governo federal. Enquanto isso, os problemas socioambientais na Amazônia se multiplicam”.
Em nota enviada à Carta Maior, a coordenação do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS) cita “a aprovação do projeto de lei que altera o Código Florestal, o enfraquecimento do processo de licenciamento ambiental de mega-empreendimentos e o claro esforço por parte do governo em construir a Hidrelétrica de Belo Monte” como exemplos de que 2011 foi um ano marcado por retrocessos ambientais: “O trato com a questão climática é um dos casos mais preocupantes. A recorrência de eventos extremos já traz sérios impactos para as populações das cidades e para a biodiversidade brasileira. No setor produtivo, os prejuízos também se acumulam , principalmente no setor agrícola e na geração de hidroenergia. As metas brasileiras para redução de emissões de carbono, no entanto, estão cada vez mais distantes de seu cumprimento, tanto por causa das iniciativas irresponsáveis dos poderes Legislativo e Executivo quanto pela falta de políticas socioambientais competentes”, diz o documento.
Cúpula dos Povos
As organizações do movimento socioambientalista brasileiro apostam na Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20 que será organizado pela sociedade civil: “A Cúpula dos Povos e outros importantes eventos antes e durante a Rio+20 deveriam inspirar a articulação, a mobilização e a organização de iniciativas, em curso ou que venham a ser deflagradas, para a necessária, urgente e justa transição para sociedades sustentáveis”, diz a nota do FBOMS.
Esse poder de mobilização, segundo as ONGs, já está colocado: “Não partiremos do zero. Há um grande número de iniciativas que emergem da sociedade e que mobilizam grupos variados em torno de princípios da sustentabilidade socioambiental, da democracia e da cidadania. É preciso iluminar tais experiências, alavancá-las com políticas e instrumentos adequados, ganhar escala, e paralelamente fazer a transição daquelas atividades econômicas, institutos e tecnologias incompatíveis com sociedades sustentáveis”.
Um dos principais organizadores dos eventos políticos realizados há 20 anos no Rio de Janeiro pela sociedade civil durante o encontro de cúpula da ONU que passou à história como Rio-92, Rogério Rocco afirma que, por menor que sejam as expectativas, não se deve menosprezar momentos de discussão e mobilização como a Rio+20: “Toda oportunidade de diálogo internacional governamental e não-governamental está revestida de boas expectativas, pois pode ser a arena responsável por decisões que alteram os rumos da humanidade. Portanto, tenho a crença de que a agenda da Rio+20 pode trazer contribuições para a evolução de política s locais, nacionais e globais. Porém, se olharmos para os últimos acontecimentos relacionados à sustentabilidade socioambiental no Brasil e no mundo, temos uma tendência à descrença. Mas, no mínimo, acredito que a sociedade civil vá promover processos que apontem para novos modelos de governança e economia internacionais”, diz.
Falta de foco
O elevado número de metas traçadas para a conferência principal, segundo Rocco, que é analista ambiental do Instituto Chico Mendes, pode trazer à Rio+20 o risco da perda de foco: “Penso que esse conjunto de temas seja adequado para planejar a sustentabilidade das políticas globais, mas não acredito que a conferência traga respostas para os dez tópicos escolhidos. Portanto, temos que ter o foco em um ou dois temas. Mas, acima de tudo, temos que repensar os referenciais globais de resultados. É necessário responder para quem são direcionados os esforços das políticas globais: se o são para melhorar o PIB Global ou se é para assegurar a felicidade humana. Esse deveria ser o tópico prévio de qualquer conferência sobre sustentabilidade socioambiental”.
Coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Renata Camargo também faz críticas às metas propostas: “Os temas são pertinentes, mas senti falta do tema floresta. Não há como falar em erradicação da pobreza, um dos temas centrais da conferência, sem falar em preservação das florestas, especialmente em países como o Brasil. Mas, parece que se esqueceram de fazer esse link e deixaram a preservação das florestas para depois. O tema energia limpa para todos também merece destaque. E essa energia tem que ser limpa, com baixa emissão de carbono, senão nós iremos na contramão do desenvolvimento que queremos”, diz.
Renata diz não esperar muito da Rio+20: “Em termos de negociações internacionais, não há expectativa de nenhum novo acordo no que se refere aos temas principais dessa conferência, que são economia verde e governança ambiental para o desenvolvimento sustentável. O que se tem sinalizado é a tentativa de consolidar e reafirmar acordos já existentes para o desenvolvimento sustentável, como cumprir o que diz a Agenda 21, os Objetivos do Milênio, etc”.
Rubens Gomes, do GTA, questiona quem cumprirá as metas estabelecidas pela ONU: “A ONU, por exemplo, estabeleceu que 2011 fosse o Ano Internacional das Florestas. No entanto, no Brasil, o Congresso Nacional foi na contramão da história, aprovando mudanças no Código Florestal brasileiro que abrem espaço para a redução das florestas. Podemos citar outro exemplo, o consumo responsável. Temos uma sociedade extremamente tolerante com crimes ambientais, que não tem a menor preocupação com a origem e a qualidade da cadeia produtiva. Se a sociedade brasileira assum e que vai partir para o consumo responsável, o trabalho escravo e o trabalho infantil, apenas para citar dois exemplos, seriam eliminados no Brasil. Sem falar no desmatamento, menos desastres naturais e tantos outros assuntos”.